(É o capítulo que mais gosto *-*)
"POUCO DEPOIS"
Adriana está correndo na esteira que ele tem na varanda. Uma varanda mínima, onde cabe somente a esteira.Ela corre de calcinha e sutiã,escutando,no seu iPod,o playlist da Adriana Calcanhotto. Que Adriana canta junto. Bem alto e desafinada. Chorando ao mesmo tempo.
- "Entre por essa porta agora e diga que me adora. Você tem meia hora para mudar a minha vida, vem, vambora, que o que você demora é o que o tempo leeeeeevaaaaaa."
Para um pouco de cantar, para chorar apenas. Inacreditável, mas queria que o namorado despertasse do torpor e aparecece ali, de repente, salvando-a da dor que está sentindo.
- "Você tem meia hora para mudar a minha vida, vem, vambora, que o que você demora é o que o tempo leeeeeevaaaaaa."
Corre descalça, olhando para o medidor digital de calorias queimadas. Na esteira de última geração que ela comprou para o namorado de presente de Natal. Sente-se uma otária.Vê o tempo indo embora e ela ficando,com os sonhos que um dia teve. Por volta dos dez anos de idade,mais precisamente. Quando imaginou que seria amada e salva por um príncipe. Um que,ao surgir,perguntasse:
- Qual o seu nome?
Ela diria:
- Adriana.
- Quantos anos você tem?
- Quinze.
Para Adriana, aos dez, ter 15 era ser princesa. Até hoje, com quase quarenta, ainda consegue se imaginar dizendo:
- Quinze.
Passou pelos 15 e nada daquilo que pensava que viveria se realizou. Então ela ainda aguarda chegar a esse ponto de sua vida. Enquanto isso, canta e chora ao mesmo tempo.
- "Dentro de um livro, nas cinzas das horaaaaaaaaaaaaaas".
Bastaria meia hora para que a vida de Adriana mudasse, agora. Trocaria dessa, que se esgoela, sofrendo por alguém que nem é aquele que dorme, nem é um dos que amou de verdade, nem um dos que a traíram de verdade, nem um dos que ela traiu, nem um dos com quem viveu boas histórias, nem um dos que ela desejou e não teve, nem um dos que a desejaram e ela não quis, para outra qualquer.Adriana sofre por ela mesma - pela sensação de morte que sente, viva. Caso parasse por meia hora, e tentasse encontrar um silêncio interno qualquer, um espaço para ser preenchido por esses ecos todos, e ela se aconchegasse um pouco,perceberia que todos esses fantasmas são um só: aquele que criou quando criança. Para salvá-la dele, viria o príncipe, que ainda não veio. Para pegar a mão de Adriana e conduzi-la ao seu cavalo alado, transporte para um mundo de sonhos realizados e amor eterno. Lugar de tanta paz que ela poderia olhar nos olhos dele e dizer:
- Eu sou Adriana. Tenho 38 anos de idade, e sou você.
(até o próximo post ;*)
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